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A reforma tributária aprovada na Câmara em julho é motivo de comemoração para o governo e tem sido majoritariamente elogiada na imprensa e pelo sistema financeiro, mas náo empolgou o setor de TICs. Ainda assim, as manifestações do setor têm sido cautelosas. A exceção é a Feninfra ( Federação Nacional de Call Center, Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e de Informática), que tem adotado um tom muito mais crítico e preocupado. Para Vivien Suruagy, presidente da entidade, a razão é a incerteza sobre o que virá como regulamentação da reforna, e do fato de que inevitavelmente, na vião da Feninfra, haverá aumento de carga para os setores prestadores de serviço. Nessa entrevista ela expõe as críticas de maneira contundente:

TELETIME – A Feninfra tem marcado uma posição crítica em relação à reforma tributária, destoando dos discursos às vezes mais comedido, ainda que crítico, de outras entidades empresariais. Por que?

Vivien Suruagy – No nosso entendimento, como representante do setor de prestadores de serviço, instaladores de rede, empresas de call center, não é possível ver uma reforma que signifique um claro risco de aumento de tributos e que não trate o setor de telecomunicações com a essencialidade que ele tem. Além de tudo o que as telecomunicações representam para o cidadão e para a economia, somos intensivos em mão-de-obra, empregando direta e indiretamente em torno de 2,5 milhões de profissionais. O setor de serviços para o mercado de telecomunicações é um dos maiores empregadores de jovens em primeiro emprego e de mulheres. Isso praticamente não foi ponderado. Não é questão de ser contra a reforma. Somos a favor de uma reforma. Todos nós concordamos que o Brasil precisa dessa simplificação, mas não sabemos a parte mais importante, que virá em lei complementar, e que ainda é desconhecida da sociedade. Só podemos projetar pelo que se fala, e da forma como está o aumento da carga tributária para o setor de serviços, sobretudo no nosso setor, será em média de 12%. Qualquer aumento de tributo vai recair, sempre, no colo da população, e isso não podemos admitir.

Mas qual é o problema? O desconhecimento sobre as alíquotas dos tributos sobre valor agregado?

Exatamente, não sabemos as alíquotas nem como será em detalhes o período em que teremos um regime misto. O IVA será de 25%, 38% ou 33%? Vai ser possível manter em 25% com tantas exceções que estão sendo abertas para setores que não são essenciais? Se for isso, é quase certo que iremos, entre os países que adotaram o regime do IVA, ultrapassar a maior carga tributária do mundo que é da Hungria. Países que adotam IVA praticam alíquotas muito menores do que se fala aqui: em Luxemburgo são 14%, a Alemanha trabalha com 7%, a França com 10%, a Áustria com 13%, Espanha tem 10%, Itália são 10%, em Portugal são 8%, na Suécia são 12%, e aqui, o que a gente sabe, é que deve ser no mínimo 25%. Tudo está sendo jogado para lei complementar, desde as definições das alíquotas de IBS, CBS até a regras de funcionamento do novo modelo.

A transição de modelos é uma preocupação?

Eu me pergunto se será factível o período de transição com redução gradual do ICMS e ISS, sendo que em 2032 haverá uma redução de 60% no valor, possibilitando a migração para o destino. O que vai acontecer no meio do caminho? Certamente, um aumento de carga tributária. Do nosso lado, a gente ouve do governo e dos elaboradores da reforma que o setor de telecom terá créditos. Mas é preciso entender a cadeia de telecom. Uma coisa é o lado das empresas de telecom que contratam os nossos serviços, contratam empresas de software, fornecedores de equipamentos e outros prestadores. Outra coisa somos nós, os prestadores de serviço para redes e operações de telecom. Ou estamos na ponta do consumidor ou no meio do caminho, então do nosso lado não haverá crédito nenhum a ser abatido. E as próprias empresas de telecomunicações, que contratam nossos serviços, no cenário competitivo que enfrentam, dificilmente repassarão para o consumidor qualquer aumento de carga tributária, então a pressão fatalmente vai recair sobre os fornecedores no meio da cadeia, em um cenário em que os investimentos estão cada vez mais restritos e controlados. Em nosso meio, que é intensivo em mão de obra, isto certamente significará demissão.

Mas o governo, e alguns especialistas que a gente já entrevistou e que elogiam a reforma, apostam que haverá um crescimento geral da economia com a reforma, e uma dinamização para toda a indústria…

Pois é, mas onde está esse estudo? Ainda não vimos essas contas, é uma expectativa, mas não conhecemos o racional. Setores importantes tiveram conquistas na aprovação da reforma na Câmara, e por isso tendem a aceitar melhor o modelo mesmo sem ter todas as informações. Mas os fornecedores de uma cadeia tão importante quanto é a dos serviços de telecomunicações e das TICs têm uma leitura bem clara do risco que a reforma como está representa, não podemos bancar o custo, por isso somos mais enfáticos. E tem outros problemas também: na questão dos produtos primários ou semielaborados, a definição das alíquotas ficou para os Estados e Municípios. Temos o risco de ter mais de 5 mil IBS diferentes. Também não temos ideia de como vai funcionar o Conselho Federativo, que decidirá sobre uma receita tributária que representa 9% do PIB, impondo um convívio de 10 anos de dois sistemas tributários. Também vemos uma grande indefinição nesse imposto seletivo, que não sabemos onde incidirá.

O risco que vocês vislumbram é então sobre as incertezas de como será a vida depois da reforma tributária?

Sabemos que, como está, a reforma vai aumentar impostos para parte do meio da cadeia, encarecer a vida do consumidor, estimular a pejotização, impedir investimentos e certamente afetar muito setores que empregam milhões de pessoas. O que a gente pede é que o Congresso haja com bom senso, principalmente o Senado nessa segunda votação e depois a Câmara, se o projeto retornar para lá. Ainda é possível corrigir o texto. Mas é importante também que o governo dê transparência daquilo que podemos esperar da Lei Complementar, porque é ela quem vai definir quase tudo o que importa. Da nossa parte vamos continuar contribuindo com o debate e com uma reforma que ajude na simplificação tributária, mas que reconheça a essencialidade do setor, dê o tratamento devido ao setor de serviços que gera tantos empregos e, sobretudo, que não aumente a carga tributária em nenhum ponto da cadeia econômica.

Fonte: Teletime